top of page

 Veganismo ao alcance de todos

Fabio Henrique Saraiva   23 de nov de 2020

Crescimento de adeptos envolve desde a preocupação com o meio ambiente e direitos dos animais até saúde e emagrecimento

Foto: Flávio Rodrigues/Flickr

1edit.jpg

Barraca de frutas em feira noturna de São Paulo

Quase 30 milhões de brasileiros, isto é, 14% da população, se consideram vegetarianos - é o que diz a última pesquisa do IBOPE realizada em abril de 2018. Nas regiões metropolitanas, houve crescimento de 75% comparada à mesma pesquisa conduzida em 2012. O estudo ainda revelou que 55% dos entrevistados consumiriam mais produtos veganos se tivessem indicações nas embalagens.


Com a expansão da comunidade vegetariana, a demanda aumenta e as grandes indústrias que antes tentavam boicotar movimentos e ativistas, atualmente, investem e lançam linhas de produtos alimentícios vegetarianos e veganos. Marcas conhecidas nacionalmente, como Sadia e Seara, lançaram entre o final do ano passado e março deste ano uma linha de congelados sem nada de origem animal com hambúrgueres, tortas integrais, nuggets etc.

Foto: Reprodução

Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira

De acordo com Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), “eles estão voltados mais para um grupo crescente de pessoas que têm curiosidade, mas que não necessariamente está pensando em ser vegano hoje, eu acho que daqui em breve vão pensar,  mas hoje, eles estão mais curiosos querendo saber, pretendendo algum tipo de mudança, percebem que há um ambiente propício para isso. Eu acho que naturalmente sempre aconteceu isso, as empresas identificam essas tendências e transformam em produtos”, completou. 

Para a Society Vegan, “veganismo é um estilo de vida que visa excluir, até onde for possível e viável, todas as formas de exploração e crueldade aos animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito”.


O avanço das ideias do veganismo também é perceptível na política, com a PL 1095/2019 sendo sancionada no final de setembro pela Presidência da República. O projeto tinha pedido a  alteração da Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, “para estabelecer pena de reclusão a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; e instituir penas para estabelecimentos comerciais ou rurais que concorrerem para a prática do crime”.  Entretanto, após chegar na Comissão Especial, o projeto de lei sofreu alterações. Agora, segundo a Lei nº 14.064/20, quem maltratar cães e gatos tem como pena reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição de guarda desses animais.
 

Nas mídias sociais, com a grande disseminação de conteúdos relacionados ao veganismo e a uma nova ética de defesa dos direitos dos animais, surgem novos canais no Youtube, programas culinários em ascensão, difusão de ideias no Twitter e grupos cada vez maiores no Facebook. O movimento a favor da libertação animal está tomando forma e aos poucos alcançando seus objetivos.
Fundado em 2012, o Mapa Veg é um projeto independente online, que busca disseminar o veganismo no país. Em 2017, lançou um guia vegano brasileiro com produtos e serviços do norte ao sul do Brasil. Atualmente, indica mais de 30,8 mil registros de pessoas que se declaram veganas, vegetarianas ou simpatizantes, quase 11 mil só no estado de São Paulo. O portal tenta atrair a atenção da sociedade publicando receitas, artigos e notícias.

As várias faces do veganismo

Todo movimento social com discussões de diferentes pautas, enquanto avança também colhe desdobramentos, e consequentemente, ramifica-se. O veganismo entra no radar da cultura na década de 1960 com os hippies estadunidenses, que protestavam contra a guerra do Vietnã e pregavam o amor livre, o pacifismo, o respeito à natureza e o anticonsumismo. Algo que podemos chamar de veganismo romântico, atrelado a ideias utópicas.

Entre documentários expondo a indústria da carne, suas injustiças e crueldades entre as décadas de 1990 e 2000, aparece o veganismo abolicionista, que defende a libertação animal e entende que animais não-humanos são indivíduos que merecem ser respeitados e que sua exploração não é moralmente justificada. Entendem que a libertação animal tem que vir de “uma única vez”, pois poucas e pequenas mudanças acarretam comodismos e conformismos.

Em contrapartida, o veganismo pragmático, que é reformista, acredita que no futuro a exploração animal terá uma redução perceptível, com auxílio de políticas de bem estar social, convencendo empresas e pessoas, chegando assim ao fim dos abusos contra os animais. O veganismo de mercado, mais liberal, se infiltra nas grandes marcas para um maior protagonismo e destaque na sociedade moderna. Tendo como público fiel todas as classes do vegetarianismo: vegano, vegetariano estrito, ovolactovegetariano, lactovegetariano, ovovegetariano, etc; e querendo alcançar públicos novos que têm interesse na redução de proteína animal em seu cardápio, atiçando a curiosidade de pessoas e gerando interesse em pautas do movimento.

Com críticas dirigidas ao próprio movimento, chega o veganismo popular, quebrando estigmas de que a dieta vegana é elitista e, consequentemente, cara e bate na tecla de uma alimentação saudável e sem crueldade contra os animais, mas voltada para pobres, pretos e periféricos.

Para Kauan Willian, sindicalista e doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo, “veganismo popular é poder popular, lutar politicamente e economicamente para uma melhor condição de vida das pessoas e para que ela tenha a consciência de uma libertação animal. A partir disso, já faz essa intersecção da libertação animal e libertação humana”.

Vegetariano há dez anos e vegano há sete, ele conta que conheceu o veganismo em grupos punks e hardcores que participava, se interessou pela causa animal e assistiu documentários que o ajudaram a entender mais sobre esses animais. De acordo com ele, ser ativista é importante porque “não basta a gente mudar individualmente, a gente precisa mudar a realidade e a estrutura”.

Como tudo começou

Há 173 anos, na Inglaterra, surgiu a Vegetarian Society, a primeira sociedade vegetariana no mundo. Três anos depois, nos Estados Unidos, em 1850, o ministro presbisteriano Sylvester Graham fundou a American Vegetarian Society, que trazia junto alguns valores religiosos como abstinência.


O termo “vegan” nasceu junto com a primeira sociedade vegetariana. Em 1944, um carpinteiro britânico chamado Donald Watson queria se diferenciar de vegetarianos que consomem alimentos produzidos por animais como mel, ovos, leites e derivados. Para isso, se reuniu com quatro amigos e sua companheira Dorothy, que juntos fundaram a The Vegan Society. Junto com ele, veio o Vegan News, uma espécie de folhetim que tinha 25 assinantes. Quando Watson faleceu em 2005, havia 250 mil veganos na Grã-Bretanha e dois milhões nos Estados Unidos.

Foto: Reprodução

Somente em 2003, no Brasil, é fundada a Sociedade Vegetariana Brasileira - SVB com ativistas locais, desde então conseguiu implantar alguns projetos no país. No mesmo ano, era lançada a Segunda Sem Carne, que convida as pessoas a não consumirem carne e seus derivados ao menos um dia na semana. É uma ação mundial, que hoje está presente em mais de 40 países.

Logotipo da ONG

A Segunda Sem Carne chega no Brasil em 2009 pela SVB. Com o apoio de ativistas e famosos, a campanha cresceu e alcançou patamares invejáveis em parceria com empresas e órgãos públicos. Hoje, a Segunda Sem Carne no Brasil é considerada a maior do mundo. Só em 2018 foram oferecidas 67 milhões de refeições e no primeiro semestre do ano passado foram 42 milhões. A campanha chegou em 2011 nas escolas municipais da capital paulistana. Em 2014, no Bom Prato e três anos depois, em 2017, nas escolas públicas da Grande São Paulo, litoral e interior.

Foto: Divulgação

 A Segunda Sem Carne tem apoio de   vários artistas e influencers

Foto: Arquivo pessoal

Marly Winckler trouxe um evento em 2004 da International Vegetarian Union ao Brasil

Para Marly Winckler, presidente honorária, uma das fundadoras da SVB e presidente da International Vegetarian Union - IVU, São Paulo é o maior restaurante do mundo, pois serve dois milhões de refeições por dia. “O maior restaurante do mundo, um dia, passou a servir comida vegetariana estrita, isso por si só já é uma conquista espetacular ao meu entender, porque de cara 30 mil frangos deixaram de ser mortos por mês. Qual é o outro trabalho que se faz que tem um impacto desse tamanho? Nenhum!” Mas ela ressalta que “o mais importante é levar essa discussão e a consciência de um jeito legal para todos os públicos”.

Ela é ativista desde a década de 1980, além de socióloga também atua como tradutora e um dos seus trabalhos foi a tradução do livro Libertação Animal, do filósofo australiano Peter Singer, que conheceu no primeiro congresso da IVU, em 1994.

Essa obra popularizou o termo especismo, conceito que aponta como uma espécie, no caso a humana, se sente no direito de explorar, torturar e matar, por achar todas as outras espécies inferiores.

O Certificado Selo Vegano, mais um projeto bem sucedido da SVB, “concede a produtos de diversas categorias (alimentos, cosméticos, higiene, limpeza e calçados) um certificado vegano confiável e reconhecido nacionalmente. O selo é dado não à empresa ou à marca, e sim a cada produto – portanto, qualquer indústria pode solicitá-lo.”

De acordo com Ricardo Laurino, presidente da SVB, o certificado já gerou crescimento para algumas empresas, “mas isso geralmente acontece em produtos de marcas pequenas, em que uma determinada ação tem um resultado enorme em comparação ao que ela já tinha”. Ele continua: “o fato é que o selo faz com que se dê maior credibilidade à marca, isso sem dúvida nenhuma”.

Foto: Divulgação

O selo é dado a produtos alimentícios, cosméticos, higiene, limpeza e calçados

Pandemia: Os efeitos do coronavírus

Foto: Arquivo pessoal

Durante a pandemia do Covid-19, em 2020, a SVB lançou um site com mais de três mil locais com opções veganas chamado “Onde Tem Opção Vegana?”. Em parceria com a Cria Editora disponibilizou o livro “Pandemias, saúde global e escolhas pessoais”.  A obra foi escrita pela Dra. Cynthia Schuck Paim e Dr. Wladimir J Alonso que trabalharam durante anos com pesquisa em epidemiologia e saúde pública. 


Segundo Laurino, o ebook, que está disponível de forma gratuita, já teve mais de 4 mil downloads. “Tudo isso foi desenvolvido em tempo recorde. Logo quando entrou a pandemia, em torno de um mês, a gente acabou lançando com todas as informações sobre as pandemias, a relação que existia com a produção e consumo de produtos de origem animal. A SVB não parou mesmo. A gente só adaptou e fez com que o nosso trabalho continuasse tão forte quanto.”

Enquanto muitos restaurantes tiveram que fechar as portas, outros negócios entraram no mercado, que é o caso da Vegan Brazuca, uma marca de salgados veganos. Thaís Fontes é o rosto por trás do microempreendimento. Ela, que é professora de formação, se viu sem um dos dois empregos. Contas a pagar, com ajuda do marido, apoio de familiares e amigos, o casal abriu a empresa. 

Alguns dos salgados são as coxinhas de brócolis, palmito e os curiosos kibe, coxinha de “frango” e risole de “calabresa”. Ela explica que os recheios são feitos de proteína de soja texturizada sabor frango para a coxinha e sabor bacon para o risole.

Ovolactovegetariana desde os 15 anos e vegana há 4 anos, ela nos conta que era muito seletiva quanto a comida quando era criança e ninguém sabia o porquê. “O arroz e o feijão não eram um problema, mas quando tinha carne era um processo difícil.

Eu tenho uma memória bem difícil desse meu processo de alimentação com a família. Meus pais não sabiam e tinham medo de anemia, que eu já tinha tido quando criança. Toda refeição era com um chinelo em cima da mesa literalmente e eu só poderia sair da mesa depois de comer tudo. Se não comesse, era chinelada, era um processo bem cruel.”

Thaís vestida com a camiseta de sua empresa, Vegan Brazuca

Aos 12 anos, sua mãe a levou em uma psicóloga para entender o que a filha passava. Após três anos, a terapeuta da época perguntou se ela sabia o processo da carne que chegava até o prato dela e recomendou o documentário “Terráqueos”. Ela se emociona ao recordar. “Foi tudo o que eu passei da minha infância de não querer comer. Eu vi no documentário o que era e despertou novamente a minha sensibilidade e respeito aos animais, o que para mim não existia e era totalmente normal. A minha família inteira come carne e nunca houve essa discussão dentro de casa, de saber que aquilo que a gente estava comendo já tinha sido um animal, que tinha tido uma vida.”


Desde então, ela já influenciou a vida de dez pessoas que deixaram de consumir carne, sendo oito ovolactovegetarianas e duas vegetarianas estritas.  Além da Vegan Brazuca, ela trabalha como professora na educação infantil de uma escola, e nas horas vagas auxilia, com aulas de reforço, a alfabetização de uma criança com síndrome de down.

Foto: Divulgação

A Fazenda Futuro já lançou hambúrguer, carne moída, almôndega, linguiça e frango. Todos à base de vegetais, proteína de ervilha, proteína isolada de grão-de-bico e de soja

A Vegan Brazuca entrega na Zona Leste de São Paulo, nas estações de metrô e pela plataforma do Ifood. Quem também contornou a pandemia com a venda online de produtos foi a Fazenda Futuro, marca vegana que atua principalmente na capital paulistana, no interior do estado e no Rio de Janeiro. Os produtos estão em mais de 10 mil pontos de venda em todo o Brasil.


Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro, acredita que a marca chegou para revolucionar o mercado de carne de origem animal, que segundo ele é antiquado e sem inovação. Ele ressalta que a empresa não está entrando no mercado vegetariano ou vegano, mas sim no de carnes. “Queremos falar com quem procura uma alternativa mais sustentável, mas sem ter que deixar de lado o prazer em comer algo que gosta. E, então em pouco tempo, foi possível comprovar que potencial e espaço não faltam e deixamos de ser apenas uma tendência para nos tornarmos uma realidade positivamente sem volta. Agora, estamos trabalhando para que a Fazenda Futuro esteja presente no máximo de lugares como uma alternativa alimentar mais sustentável”.

É possível gastar pouco e ser vegano

Segundo os especialistas, uma dieta 100% vegetal é viável em qualquer fase da vida, sendo adequada a crianças, adolescentes, adultos, gestantes, idosos, atletas ou sedentários. No entanto, a pessoa que opta por essa alimentação deve ter uma certa disciplina. Assim como pessoas onívoras, que se alimentam tanto de matéria vegetal quanto animal, podem ficar desnutridas. O que também pode acontecer com um vegetariano estrito.


Para o nutricionista George Guimarães, especialista em nutrição vegetariana, ser vegano não é necessariamente caro, mas pode ser. “Se a pessoa vive à base de sorvetes vegano, a 33 reais o pote de 400 gramas, e hambúrgueres congelados vai ficar mais caro. Um hambúrguer vegetariano é mais caro que o outro hambúrguer, e salsicha vegetariana também.” De acordo com ele, que é ovolactovegetariano desde os quatro anos de vida, esses produtos ultraprocessados são um luxo sem necessidade. “Eles são mais caros sim, mas se você vai fazer uma dieta com arroz, feijão, de vez em quando o tofu, com uma variedade de vegetais, algumas frutas da época que são mais baratas, e eventualmente uma lentilha, não vai sair caro.”
 

A recomendação para uma dieta bem equilibrada e sem problemas é consumir cereais e grãos (arroz, milho, aveia, trigo,etc), legumes (cenoura, brócolis, tomate), verduras (alface, rúcula, espinafre, acelga, etc), frutas, sementes (abóbora, girassol, linhaça, chia, etc), oleaginosas (amêndoas, nozes, castanhas, pistache, avelã, etc) e leguminosas (feijões, grão-de-bico, lentilha, etc), de forma equilibrada. 

Além de suplementar, se necessário ou por prevenção, a vitamina B12, que é responsável por muitas funções, entre elas a produção de glóbulos vermelhos no sangue e manter um bom metabolismo. Conhecida também como Cobalamina, a B12 é produzida por microorganismos no solo e se torna biodisponível a partir da alimentação por outros seres vivos. Para pessoas com uma dieta a base de proteína animal, ela é “garantida”. Nos animais que vivem e consomem pasto, que é onde está a vitamina. No entanto, o intenso uso de agrotóxicos pode matar essas bactérias produtoras. Alguns criadores de gado aplicam injeções intravenosas de B12 para animais anêmicos. Já no nosso corpo, a vitamina é absorvida no íleo, que é última parte do intestino delgado.
 

George explica que em caso de pessoas com falta de ômega 3, pode ser resolvido com suplementos em cápsulas de selênio ou acrescentando alimentos como o óleo de linhaça e o óleo de chia. “É possível ser vegano sem usar óleo de linhaça nunca? Sim, mas é uma segurança que você coloca tendo ficado deficiente.” Ele afirma que comer peixe não irá resolver mais rápido, do que tomar comprimidos. “Depende de qual seja o peixe também, porque não é todo peixe que é rico em ômega 3”.
 

Já o ferro está nas sementes, como as leguminosas, família do feijão e as oleaginosas, que são as castanhas e amêndoas, que tem mais óleo. “Também está nos vegetais verde escuros, quanto mais verde mais escuro, mais ferro”. Para melhor absorção do ferro, ele recomenda temperar as folhas com gotas de limão. Ele afirma que se uma pessoa tem uma dieta de farinha refinada, açúcar, muito álcool e uma variedade ínfima de vegetais, como alface, tomate e pepino, não vai estar como uma boa quantidade de ferro no organismo. 
 

No caso das proteínas, elas também se encontram nas leguminosas e oleaginosas e ainda se completam essa proteína com cereais, como o famoso arroz com feijão. “A própria ervilha, o arroz, feijão, milho e a lentilha, pão com tahine, pão sírio de trigo, tahine seria a pasta de amêndoas com tofu, que é derivado da soja, portanto uma leguminosa etc. A gente consegue incorporar facilmente os alimentos ricos em proteína, na verdade é muito difícil desenhar uma dieta vegetariana total que não tenha proteína, a não ser que você realmente pule um dos grupos de alimentos, como cereais, leguminosas e castanhas.”
 

Para ele, a desinformação é o principal motivo que leva pessoas a ficarem com algum problema de saúde, seja com uma alimentação vegetariana ou não. A desinformação em dois sentidos. O primeiro é a pessoa não saber o que comer: “Ela fica perdida mesmo! Sabe que está fazendo uma coisa errada, mas não sabe o que é, e acaba desistindo antes que dê algum problema. Geralmente, porque ela não estava se alimentando direito.”
 

Ainda existe a desinformação que leva o indivíduo a mudar de opinião por causa de pessoas em seu círculo social que insistem no ponto de vista da saúde: “e as proteínas?”. O que a leva a desistir por não aguentar mais ninguém a questionar. “A informação pode ajudá-la a rebater até que todo mundo pare de perguntar, mas também a desinformação dela começar a acreditar nesses mitos que todo mundo vira especialista quando o outro vira vegetariano. A pessoa é desencorajada, ela estava convencida, mas resolve dar para trás”.
 

Outros motivos incluem ser vegetariano “por moda”, como poderia estar numa fase sem glúten, sem ter um problema com glúten, só porque está na moda não comer glúten. “Algumas pessoas de fato têm o problema, experimentam e se sentem melhor, mas outras se sentem igual. A diferença é que ela pode postar receita sem glúten no Instagram, ou porque o ídolo dela está fazendo isso, porque de alguma maneira está pegando bem, e quando esse benefício e interesse passam, também deixa de ser interessante”, completou.


Existem ainda pessoas que se preocupam com a causa ambiental, que não consomem carnes animais para não impactar ainda mais o meio ambiente, mas não necessariamente estão preocupadas com animais sendo explorados. “Quando você tem uma dieta baseada em vegetais, utilizando a terra com bons recursos, acaba gerando menos aquecimento global”, diz.


De acordo com Guimarães, em geral, as pessoas que têm mais adesão são as que fazem a escolha do veganismo por um motivo ético, pois é mais difícil voltar atrás. Você sente que se você fizer diferente, causará um mal ao outro. Os que fazem a escolha por ética tendem a ter mais perseverança.

O futuro é vegano?

Foto: Arquivo pessoal

Ela já teve outro projeto no Youtube sobre fotografia aos 8 anos chamado 'Canal da Clara'

Ana Clara, de 13 anos, possui um canal no Youtube chamado ‘Veganinha’ e conta com mais de mil inscritos em menos de um ano. Grandes influenciadores do meio já a conhecem e já fizeram até vídeos um no canal do outro.

Ela conta que passou a ser vegana por um problema de saúde que a mãe tem enfrentado e sua família passou a comer mais alimentos saudáveis. O canal é o diário da jornada dela pelo veganismo.

Ana Clara quer muito que o futuro seja vegano, mas acredita que vai demorar um pouco. “Eu só vejo o veganismo crescendo agora. Já existe há um tempo, porém é agora que empresas como Outback e Burger King estão colocando no seu cardápio comidas à base de plantas”.


Todo vegano e vegetariano, sendo ativista da linha de frente ou não, acredita que o futuro será vegano. Uns são mais otimistas, outros são realistas que se dividem entre otimistas e pessimistas. Também existem os que afirmam que o futuro vegano é inevitável, porque o meio ambiente não vai conseguir sustentar os danos causados pela agropecuária.

Foto: Arquivo pessoal

Kauan segurando o gato 'Xandinho', que pulou na casa de sua mãe e o adotou

O historiador e sindicalista Kauan Willian é um realista pessimista. Ele acredita que o mundo tem grandes chances de ser vegano, mas pode ser que o planeta não resista tanto tempo. “Ou acaba o planeta, ou o ser humano com o vírus, e então a natureza vai se reerguer”. Para ele, ser vegano não é uma questão de ser uma pessoa boa, mas uma questão de sobrevivência da espécie humana. “A gente vive e precisa desse planeta, das outras espécies, portanto, nesse sentido, o futuro tem que ser vegano sim”.


Já Thaís Fontes relembra que há alguns anos era mais difícil ser vegano. “Eu chegava em uma lanchonete e falava: você pode fazer um x-salada, sem o hambúrguer pra mim, só com o ovo? e as pessoas davam risada, ficavam indignadas”. A aceitação do seu estilo de vida é melhor hoje, antes seus familiares diziam que é só não pensar no bicho. “Hoje, as mesmas pessoas da minha família que me criticavam me respeitam”.

Com o passar dos anos, a postura dela também mudou, antes ela questionava as pessoas durante um churrasco sobre o motivo de consumirem carne. Agora, mais tranquila, tenta levar a questão do veganismo com amor e na conversa. Ela ressalta que as últimas pandemias foram causadas pelo consumo de animais. Além disso, acha que as queimadas na Amazônia e no Pantanal estão começando a surtir efeitos nas pessoas. “Claro que eu não vejo futuro vegano daqui a uns 20 anos, porque o despertar é lento, mas ele acontece”.


Marly Winckler diz que a sociedade vai ser majoritariamente vegana e compara com a situação do canibalismo. “Hoje em dia, ainda existem canibais, mas é uma coisa execrada, que ninguém aceita mais. Então não vai demorar muito, se é que vai acontecer algum dia, que não tenha ninguém que não coma uma carne de um bicho”.

Ela afirma que o impacto ambiental é uma coisa nova na história da humanidade. “Até a década de 60, o planeta não estava ameaçado por causa do consumo de carne. Depois do confinamento de uma quantidade exorbitante de animais, que são criados e abatidos poluindo as águas e derrubando as florestas, tudo mudou.” Ela vai além, acredita e incentiva pessoas a entrarem na política. “Vamos fazer uma bancada vegetariana lá no Congresso. Assim como tem a ruralista puxando para um lado, vamos fazer a nossa, entrar em tudo que é partido que tiver, porque tem espaço para a gente!”.

Foto: Arquivo pessoal

Além da clínica, George tem a pousada vegana Casinha Amarela em Boipeba - BA

Por fim, George Guimarães, fundador da ONG Vegetarianismo Ético, Defesa Dos Direitos Animais E Sociedade - VEDDAS, afirma que o fato de a agropecuária não ter sido abalada durante a pandemia é porque as pessoas continuaram comendo da mesma forma, sem alterar seus hábitos. “Não é um setor em que se esperava algum impacto, assim como não se vendeu menos hortaliças e frutas. Eu vejo um futuro vegano porque a nossa sociedade vai ter que fazer essa transição por bem ou por mal." Ele afirma que o planeta não sustenta o peso ambiental da pecuária. "Ou a gente vai ter um futuro vegano ou a gente não vai ter futuro no planeta”.

Em 2011, Guimarães foi à Antártida para lutar contra a caça de baleias, pela ONG Sea Shepherd. “Se a gente está falando de um não-futuro no planeta por causa do aquecimento global, a pecuária é o principal fator de emissão de gases de efeito estufa, mais do que o setor de transporte." Ele argumenta que ao somar o consumo de combustível fóssil de todos os aviões, ônibus, caminhões, motos, carros, navios e os de mais meios que utilizam de uma energia não renovável para transporte é menos do que a emissão gerada pela pecuária.

Não sabemos ao certo se o futuro será ou não vegano. Entretanto, com o debate sobre os direitos dos animais em pauta na mídia e as queimadas nas maiores reservas naturais do país, é possível perceber uma ampliação do debate. É cada vez mais comum encontrar marcas conhecidas criando linhas 100% vegetais ou substituindo ingredientes. Por outro lado, muitas empresas já nascem trabalhando apenas com produtos veganos. Tudo isso mostra o quanto a sociedade está mudando em relação ao impacto causado pela ação humana e, principalmente, pelo consumo excessivo de produtos de origem animal. As novas gerações já chegam com essa causa entre as suas principais preocupações.

Quem é simpatizante ou se enquadra em alguma das nomenclaturas apresentadas durante esta reportagem, é possível se registrar no MapaVeg, clicando aqui

bottom of page